sábado, novembro 13

Peça teatral: De que os mendigos precisam?

Personagens:


Um garoto chamado Ronaldo, com uniforme da escola, descabelado pelo vento, aparente tem 17 anos, usa tênis e bermudão de skatista e carrega um fichário;
Um mendigo chamado Zacarias, aparentemente com 40 anos, sujo, envolto pelo próprio corpo, com bermuda vermelho-vinho e camiseta regata azul-claro;
Um cachorro vira-lata;

Cenário:


Uma calçada com 2 lanchonetes antigas e quase caindo aos pedaços fechadas lado-a-lado e uma fábrica também velha de bordados fechada também no início;

Ato 1:

As cortinas começam a se abrir bem devagar. Sons de ventania forte tomam conta do teatro. Todos da platéia devem sentir esse mesmo frio. Antes de a cortina se abrir totalmente, um garoto aparece. Ele anda rápido, pois este frio o incomoda muito. Ele estuda à noite e está voltando pra casa. Para não desaparecer do cenário, encontrará um mendigo, tremendo de frio, encostado na parede da segunda lanchonete com um cachorro vira-lata deitado, aquecido por ele, no final do cenário, o cumprimentará e começará a conversa.

Ronaldo: (anda com pressa) Boa noite! (diz o garoto como alguém querendo apenas ser educado)
Zacarias: (responde questionando) Boa noite? Você acha mesmo bonito, me dar boa noite vendo como estou  tremendo?
Ronaldo: (ele pára, pensa, se vira e não conclui a resposta) Bom...
Zacarias: (zomba com o garoto) Está vendo como isso foi sem sentido? (se esfrega um pouco agora e depois volta a esfregar as mãos no cachorro, aquecendo-o) Desejar boa noite pra alguém no meu estado não é lá muito esperto não é mesmo? Como se chama?
Roberto: Ah! Roberto. (fica olhando pras roupas do homem)
Zacarias: (permanece agora acariciando o cachorro) Sabe qual é meu nome?
Roberto: (olha de cima a baixo o mendigo) Ah! Não.
Zacarias: (fica olhando o garoto, esperando que lhe pergunte o nome) Bom. Já que não irá perguntar o meu, lhe falo mesmo assim. É Zacarias.
Roberto: (fica sem reação e continua observando) Ah!
Zacarias: (começa a se estreessar) Ué? Primeiro me dá boa noite e agora f ica sem reação? Senta logo do meu lado garoto, e vamos conversar um pouco!
Roberto: Bom, é que eu estou com pressa pra chegar em casa, sabe? E estou com frio.
Zacarias: (dá uma risada feliz) Meu cachorro pode te esquentar. Ele é grande e adora conhecer gente nova. Se bem que ele agora está meio ''molenga'' por causa do frio.Mas costuma ser bem alegre. Gostaria de acariciá-lo?
Roberto: (ele vê sarnas no corpo do cachorro) Ele está com sarnas! Você não tem medo de pegar também?
Zacarias: E o que me importa? Eu já estou sem escolhas mesmo. Ele é o meu único amigão. Eu não vou desprezá-lo igual todo mundo faz aqui. E aí, já pensou? Vai sentar aqui ou vai ficar em pé? Em baixo é mais quente que aí em cima. Aqui você tem companhia, aí você tem apenas um vento gelado te fazendo tremer.
Roberto: Ok! (tremendo, ele senta na calçada, um pouco distante do mendigo e fita as sarnas do cão).
Zacarias: (observa a atitude do garoto por um tempo, mas ignora) E aí? O que faz da Roberto?
Roberto: (pára de olhar o cachorro, sorri e depois pergunta) O quê?
Zacarias: (faz uma pergunta rindo do medo dele de chegar perto do cachorro) O que faz da vida garoto?
Roberto: Sou estudante.
Zacarias: De quê?
Roberto: Ensino técnico. Eu estudo informática.
Zacarias: Hum! Informática? O que é informática?
Roberto: (olha perplexo) Não sabe mesmo o que é informática? Você vive no mundo da Lua é?
Zacarias: (cochicha no ouvido do cachorro) Olha quem fala. Me desculpe. Não estudo, como você. Eu sou mendigo.
Roberto: Ah! E o que faz um mendigo o dia inteiro?
Zacarias: (exclama pro cachorro) Ah, meu pai! Bom... (fica pensativo) Mendiga o dia todo.
Roberto: (fica irritado e ironiza) Boa! Joinha pra voce amigão. Mas eu quero saber o que um mendigo faz o dia todo pra se MANTER VIVO.
Zacarias: Ah! Bom... esse motivo é o menos importante. O que é importante é saber o que faz com que sejamos mendigos.
Roberto: (faz um olhar curioso e se aproxima dando tapinhas no bumbum do cachorro sonolento pra dar espaço) Hum! Legal! O que faz vocês serem o que são?
Zacarias: (observa o garoto atônito, com um olhar desconfiado) Quer mesmo saber? Não sabe mesmo?
Roberto: (o garoto fica extremamente excitado) Não! (coloca o braço no mendigo) O que faz vocês serem como são?
Zacarias: Na verdade... todos precisamos de atenção, sabe? E nós mendigos não somos limpos, cheirosos, saudáveis, entende? E isso faz a nossa vida ser dificultada. Ninguém despreza mendigos por serem apenas mendigos. Não é a palavra "mendigo"... sabe? Não é!
Roberto: O que é então?
Zacarias: É essa vida miserável que nós levamos que nos dificulta e faz com que sejamos ignorados.
Roberto: Vida difícil? Em que sentido, além da miséria?
Zacarias: Vai ver agora. (passa uma mãe com uma menina de no máximo, uns 5 anos).

Ato 2:

Uma menina anda de mãos dadas com a mãe e quer brincar com o cachorro.

Menina: Olha mãe! Um cachorro.
Mãe: É filha. Agora vamos.
Menina: (olha pro mendigo) Boa noi...
Mãe: OI, BOA NOITE! (responde no lugar da filha e a puxa) Filha, vamos sair daqui agora porque é perigoso. (a mãe fica puxando a filha que grita porque quer passar a mão no cachorro).
Menina: MÃE! EU QUERO PEGAR O CACHORRO.
Mãe: (fala baixo olhando pro mendigo) Você não pode! Não vê que ele está sujo e com sarnas?
Menina: E você também não diz que é pra cumprimentarmos as pessoas por educação? Eu ainda não falei oi pra ele. (cobrando a mãe)
Mãe:Vamos embora! Já cumprimentamos já! (pega a menina no colo e leva embora, agora fitando o garoto perpelxa, enquanto a menina grita que quer brincar com o cachorroe falar ''oi'' pro mendigo).

Ato 3:

Volta a ventar gelado por todo o cenário e platéia durante alguns instantes.

Zacarias: Entendeu agora? É assim que funciona a vida de um mendigo. Não lhe respondo o que fz um, pois ele não pode fazer outra, senão ser o que é. Ninguém nos dá oportunidade, nos ignora. Políticos também não fazem nada.
Roberto: (retira o braço do ombro) Você já tentou falar com alguém da prefeitura?
Zacarias: Já! Mas ajudar-nos é dar esmola. Os impostos que a sua mãe paga, pra te comprar cobertor, comida, material escolar, dentes bonitos, não podem ser gastos pra nos dar oportunidade, pois é um ''prejuízo''.
Roberto: (retruca indignado PREJUÍZO? QUE PREJUÍZO? Então pra eles é melhor te ver assim?
Zacarias: (tenta acalmá-lo) Não é isso! O que acontece, é que enquanto eu estou assim, a prefeitura e as pessoas acham mais correto investir em ruas, escolas, etc, porque eu seria um gasto muito grande pra eles. E pra ser cuidado e ter boas oportunidades na vida, as pessoas precisariam lutar por mim. Mas o nojo e os preconceitos nos prejudicam.
Roberto: Você sempre foi mendigo?
Zacarias: Não! Eu era pedreiro. Daí perdi minha esposa pra uma cara por aí... e fiquei nessa situação. Eu sou viciado em bebida.
Roberto: É! Os bêbados são considerados ''vagabundos'' e ''perdidos'' pela sociedade. Pra conseguir emprego, você precisaria estar pelo menos, limpo, alimentado, com belos dentes e vestir roupas adequadas. Quer dizer... está ferrado!
Zacarias: É isso aí! Daí ninguém quer cuidar de nós. Pedir comida é um sacrifício. E quando dão, não dão pro meu cachorro. Eu preciso pedir sozinho, mas ele me segue por todo canto. (conversa com o cachorro) Não é, bonitão? Se ele "falasse português", talvez dessem também.
Roberto: Eu sinto muito não poder te ajudar com nada. Imagino o quanto você está sofrendo. Eu gostaria muito de ficar conversando mais com você, mas preciso ir.
Zacarias: Você precisa ir, né? Te vejo amanhã Roberto? Adorei conversar com você. E perdoe meu cachorro, ele está com frio, por isso nem lhe deu bola hoje. Espero que amanhã você venha.
Roberto: Virei sim. Ah! (fala com um pouco de dificuldade) Eu sei que te dizer boa noite não foi lá muito verdadeiro, mas já que tenho alguma intimidade com vc... bom... eu quero melhorar sua noite de algum jeito. eu posso te dar um abraço?

Ato 4:


Os dois se abraçam, sorriem (um para o outro) e começa a esquentar toda plateia. De repente, também se espalha por um leve perfume, o cachorro começa a ficar agitado e alegre, toca-se uma bela música (com a ''cara'' da peça) e as cortinas começam a se fechar bem lentamente, enquanto os dois vão se separando.

BELA PEÇA!!!

Escrevi esta peça, com o intuito de  ir ''liberando'' meu lado escritor, que já aparece há alguns anos, porém. Esta, com certeza será a primeira de muitas peças escritas por mim. Espero, com o tempo, aperfeiçoar este dom e descobrir outras linguagens e utilizar as que já dominar.